sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A mutação do ADN na procura incessante da perfeição

Os benfiquistas são adeptos muito exigentes. Tudo o que esteja abaixo da glória universal não é suficiente para os nossos vizinhos da 2ª circular.

É esse o destino do benfiquista. Ainda o corpo do defunto (da participação na Liga dos Campeões) não tinha arrefecido, e já muitos adeptos do Glorioso demonstravam uma crença fortíssima na presença na final da Liga Europa em Turim. Para a frente é que é o caminho e o sonho europeu é automaticamente reajustado, sem que se perca a refletir sobre os motivos do fracasso da equipa num grupo acessível na Liga dos Campeões.

Numa clube em que o que mais custa aos adeptos é não conseguir superar o Porto internamente, o campeonato devia ser o principal objetivo. Mas os benfiquistas querem sempre mais. É no meio deste equívoco que tem que viver Jorge Jesus.

Nestes quatro anos e meio, o treinador do Benfica não tem tido uma vida fácil. Apesar de ter oferecido aos benfiquistas de forma brilhante um campeonato na sua primeira temporada, rapidamente a paciência dos adeptos se esgotou quando Jesus demonstrou que afinal também tinha defeitos.

Muitas das críticas feitas ao treinador do Benfica estavam relacionadas com uma questão de imagem, como o discurso egocêntrico, as lacunas graves na forma como comunica, e um perfil que dificulta a formação de um bom balneário. Nada que não pudesse ser atenuado se existisse uma estrutura competente.

Outras críticas centravam-se em más decisões pontuais, como as invenções de Jesus em momentos decisivos, ou na teimosia em apostar em determinados jogadores. 

Mas as críticas de caráter estrutural sobre as ideias de Jesus para o futebol do Benfica foram fundamentalmente duas:
  • Jesus não promove a rotatividade no plantel, e em Março / Abril a equipa rebenta fisicamente
  • A tática de Jesus é suicida e não é suficiente para defrontar adversários mais fortes


A rotatividade

No ano em que o Benfica foi campeão, a rotação foi feita à base de 14 jogadores, que totalizaram 92% do tempo de jogo total para o campeonato.



No ano passado e este ano utilizou 16 jogadores no campeonato para atingir os mesmos 92% de tempo de jogo. Jesus parece ter sido sensível à questão do desgaste dos principais jogadores.


É certo que este ano as muitas lesões contribuem para este aumento da rotatividade, mas nestes 16 jogadores mais utilizados não estão, por exemplo, Sílvio, Rúben Amorim, Sulejmani, Djuricic ou Sálvio, que muito provavelmente terão no futuro uma utilização mais frequente do que até agora.

A necessidade da rotação vem do elevado número de jogos em que a equipa participa. Mas uma coisa é rodar poupando nas competições europeias, outra é rodar poupando no campeonato. É tudo uma questão de prioridades, que devem ser definidas pela direção.

A melhor prova disso foi a temporada passada. A Liga Europa foi desgastante e a partir de uma determinada altura o próprio Jesus admitiu que colocava a carne toda no assador. O desgaste começou a aparecer e na ressaca das meias-finais com o Fenerbahce, aconteceu o empate com o Estoril que acabou por ser o princípio do fim das aspirações à vitória no campeonato.

O aumento da rotatividade fez com que o Benfica tivesse conseguido chegar mais longe em todas as frentes, mas era inevitável que o desgaste se acabasse por sentir. E não há muito por onde melhorar neste aspeto, porque não é possível ter 18/20 jogadores a entrarem com muita frequência na equipa sem afetar o rendimento. Por isso, se o Benfica ultrapassar PAOK e Tottenham, é certinho que a história se irá repetir, porque nem a direção nem os adeptos benfiquistas resistirão à tentação do sucesso europeu.


A tática

O mundo benfiquista já se rendeu ao 4-3-3. Jesus, relutante, tenta usar os argumentos possíveis para o evitar. Ao 2º jogo de Rúben Amorim, a imprensa desportiva declarava que estava encontrado o ponto de equilíbrio de todo o futebol do Benfica.

De facto, jogando em 4-3-3 o Benfica demonstra outra segurança defensiva. Mas é menos uma opção de ataque que acaba por estar em campo, com consequências no poder de fogo da equipa.

O Benfica de Jesus sempre se caracterizou por chegar com uma enorme facilidade à área adversária. A eficácia na finalização não precisava de ser grande, perante a quantidade de ocasiões de golo que o rolo compressor provocava.

O sistema hiper-ofensivo de Jesus tinha o revés de, contra equipas do seu nível, revelar demasiadas fragilidades. Mas quantas vezes é que isso aconteceu internamente? No ano passado, apenas contra o Porto, e mesmo assim, em dois jogos, houve um grande equilíbrio: um empate e uma derrota ao cair do pano.

O Benfica só não foi campeão no ano passado porque o Porto fez uma das melhores épocas da sua história, com 0 derrotas. Esse Benfica ganharia o campeonato deste ano sem grandes dificuldades, porque não teria problemas em derrotar 13 das 15 equipas que tem que defrontar. Desde que, claro, o campeonato fosse considerado mais prioritário que as competições europeias.

Ou seja, é mais uma vez a ambição europeia que serve de principal argumento para descredibilizar uma ideia de jogo que se mostrou altamente eficaz para consumo interno. Mas a bem das conquistas europeias, o público benfiquista e a comunicação social exigem o 4-3-3, mesmo que se revele menos eficaz contra 87% dos adversários que o clube defronta no campeonato.


O ADN de Jesus

Os benfiquistas olham com inveja para o sucesso europeu do Porto. Mas será que não se apercebem que o Porto só ganhou troféus internacionais quando tinha o campeonato nacional ganho a 10 jornadas do fim? Mourinho e Villas-Boas tiveram a possibilidade de poupar os jogadores principais no campeonato, que lhes permitiu jogar forte na Europa. Em anos em que o campeonato foi disputado até ao fim, o Porto nunca conseguiu uma carreira europeia de destaque.

É claro como água que o ciclo de Jesus no Benfica acabou. Muito por culpa do final da época passada e da pressão insustentável que os adeptos meteram, injustamente, nos seus ombros. Foi das maiores injustiças que me lembro de serem cometidas sobre um treinador, mais ou menos ao nível do despedimento de Bobby Robson por Sousa Cintra (e acreditem que isso me continua atravessado na garganta 20 anos depois).

Agora é moda falar-se em ADN. A direção do Benfica e os seus adeptos conseguiram, com sucesso, provocar uma mutação do ADN de Jesus. O resultado desta mudança é um treinador que, não podendo ser fiel aos seus princípios, acaba por se perder numa série de equívocos que se traduzem numa equipa sem identidade, apenas capaz de resolver jogos em função da qualidade individual dos jogadores de que dispõe.

Os tempos de glória dos Pogues não apareceram à base de músicas a apregoar os malefícios do álcool

Jesus tinha uma ideia de jogo perfeitamente adequada à realidade nacional, mas isso não era suficiente para o Benfica. Tanta foi a vontade de transformar um excelente treinador num treinador perfeito, que acabaram por estragar o que de bom havia.