segunda-feira, 19 de junho de 2017

A absurda resistência dos jornalistas desportivos portugueses ao videoárbitro

Realizaram-se ontem dois jogos da Taça das Confederações, e, em qualquer um deles, a intervenção do videoárbitro foi crucial.

No primeiro jogo do dia, Portugal marcou um golo a meio da primeira parte, mas o árbitro anulou o golo por indicação da equipa de videoárbitros - composta por três juízes internacionais que assistiam ao jogo num estúdio. A decisão foi acertada: no princípio da jogada, Pepe estava adiantado quando Moutinho bombeou a bola para a área. O central tiraria partido da posição irregular para tocar a bola de cabeça para Ronaldo, que remataria espetacularmente à barra. Na recarga, Portugal marcaria.

Tudo bem, certo? Não. Aparentemente, há quem continue a tentar encontrar problemas onde eles não existem:


"Aqui está o videoárbitro a explicar que a polémica, ou que as polémicas não vão desaparecer do futebol", disse Manuel Fernandes Silva a respeito do sucedido. Ridículo. Concordo que a realização do jogo falhou ao não mostrar a repetição, mas isso é uma questão totalmente secundária. Portugal marcou num lance irregular, e por isso o golo foi bem anulado. Só isso deveria interessar. Que sentido faz dizer que há polémica sem se saber se o golo foi ou não bem anulado?

Mas, infelizmente, este não foi o único caso em que jornalistas portugueses decidiram, sem qualquer sentido, malhar no VAR. 

Avancemos para o segundo jogo do dia, o Camarões - Chile. No final da primeira parte, o Chile marcou um golo que o videoárbitro anulou, também por fora-de-jogo. Reparem no que foi dito pelos comentadores do jogo:


Neste caso até houve repetição, mas não foi esclarecedora, pois a realização não colocou a linha de fora-de-jogo. No início da segunda parte, lá mostraram o momento do passe com a linha de fora-de-jogo, onde se pode ver que Vargas tem a perna direita adiantada. Mas nem assim os comentadores da RTP conseguiram perceber que a decisão do videoárbitro foi boa. 

"Pela beleza e qualidade do lance nunca deveria ser anulado um golo destes".

"Há preciosismo a mais". Preciosismo a mais? Mas afinal a regra do fora-de-jogo é para se cumprir ou não? Gostava de perguntar ao autor desta frase quando é que um fora-de-jogo assinalado deixa de ser preciosismo. Aos 10 cms? Aos 20 cms? A um metro? É lamentável que jornalistas desportivos tenham afirmações destas, mas, pelos vistos, a vontade de malhar no videoárbitro sobrepõe-se ao desejo do cumprimento das regras do jogo.

O VAR viria ainda a ser importante neste jogo, ao confirmar a legalidade do segundo golo do Chile, que tinha sido anulado pelo fiscal-de-linha por fora-de-jogo. Três boas decisões do VAR no dois jogos, ou seja, o recurso à tecnologia ajudou a salvaguardar a verdade desportiva.

Mas se acham que foram apenas os comentadores da RTP a malhar no videoárbitro... estão enganados.

Exemplo da diferença de atitude em relação ao VAR entre um jornalista brasileiro e um jornalista português:

(via @bancadadeleao)

O Expresso a escrever uma mentira na crónica ao jogo:


O enviado especial de uma televisão portuguesa a dizer que os adeptos se sentem confusos. Mais confusos do que quando vêm um golo limpo ser anulado, ou um golo irregular a ser validado, e a ter impacto no jogo? Olha que problema gravíssimo...


Aguardo com alguma curiosidade as colunas de opinião na imprensa escrita. Quantos apontarão a decisão do Camarões - Chile como um erro? Para que lado da cama acordará Vítor Serpa? Será que vai aplaudir ou apupar o videoárbitro? Oh, a incerteza...

Obviamente que nem todos alinham pelo mesmo discurso, mas é impossível ignorar que existe uma grande resistência na generalidade dos jornalistas desportivos portugueses, que usam de todos os argumentos possíveis para tentar descredibilizar algo que só pode trazer melhorias ao estado em que encontra a arbitragem.

Claro que existem aspetos que não estão perfeitos e precisam de ser afinados - o tempo de resposta, as situações em que se recorre ao VAR, a forma de comunicação ao público e telespectadores -, e é expectável que há-de chegar o dia em que um VAR irá tomar uma má decisão... mas como em qualquer inovação é necessário dar tempo para que o processo entre em velocidade de cruzeiro. Não querer dar-lhe uma hipótese - e há muito boa gente por aí que parece mortinha por matar o VAR à nascença - é uma atitude completamente absurda para quem diz amar o jogo.