quinta-feira, 29 de junho de 2017

O "saneamento" de Eduardo Barroso

"As justificações que me deu, e que não tinha de dar, ficam entre nós, mas caramba, ambos merecíamos uma despedida que não cheirasse a saneamento, numa altura em que tenho sido um dos mais assumidos críticos dos e-mails da vergonha."

As linhas que podem ler em cima são parte do último texto que Eduardo Barroso escreveu o jornal A Bola, colocando fim a uma colaboração que durou vários anos. Segundo se pode ler no artigo publicado ontem, a iniciativa desta decisão partiu do próprio jornal. Eduardo Barroso faz várias referências à forma como lhe foi comunicada a medida, e a ideia que deixa passar - de forma suficientemente explícita - é que não terá sido Vítor Serpa o seu promotor principal. Ora, não tendo a ideia partido do diretor do jornal, então é bem possível que o responsável tenha sido José Manuel Delgado - restando saber se por ter cedido à pressão do Benfica, ou se por ter antecipado que Barroso se poderia tornar numa voz demasiado dissonante em relação à linha editorial do jornal.

Convém puxarmos a cassete um pouco atrás para relembrar algo que é extremamente importante. Goste-se ou não se goste do estilo, há uma coisa que, mesmo não o conhecendo pessoalmente, me sinto à vontade de escrever sobre Eduardo Barroso: é muito difícil encontrar, de entre os sportinguistas que habitualmente dão a cara pelo clube, alguém que seja mais independente: independente em relação à direção do Sporting, porque não me parece que tenha ambição de voltar a ter um cargo de maior relevo que o atual (é Conselheiro Leonino, tendo sido por sua iniciativa que não se candidatou a PMAG na lista de Bruno de Carvalho em 2013); e independente em relação aos canais de televisão e jornais onde comentou, pois não precisa deles nem para ganhar visibilidade, nem por questões financeiras. 


Essa independência é facilmente comprovável. Apesar de ter sido eleito PMAG pela lista de Bruno de Carvalho em 2011, soube manter uma postura de total lealdade institucional com a direção de Godinho Lopes. Perante o descalabro desportivo e financeiro e a progressiva contestação dos sócios, Eduardo Barroso acabaria por se tornar um dos motores que levaram à realização de novas eleições - das quais, sabiamente, se auto-excluiu. 

O facto de ser um acérrimo defensor de Bruno de Carvalho não afeta a sua independência, pois não existe qualquer incompatibilidade entre ser-se independente e ser-se acérrimo defensor de alguém. Eduardo Barroso defende Bruno de Carvalho com unhas e dentes porque percebe o trabalho meritório do presidente. Como independente que é, acredito que, num cenário em que a qualidade do trabalho de Bruno de Carvalho caísse a pique, Eduardo Barroso não deixaria de fazer as críticas que entedesse serem justas. 

Eduardo Barroso é genuino no seu comentário, no sentido em que não consegue esconder a alegria ou a mágoa em função do momento em que o clube atravessa. Acredito que não concorde com tudo o que diz e faz Bruno de Carvalho, mas, por uma questão de lealdade, prefere salientar o que de bom é feito - e ainda bem que é assim, porque já há demasiados notáveis com espaço na imprensa que têm a crítica na ponta da língua e são muito ponderados e poupados no momento de elogiar. É importante para o clube que haja quem sirva de contraponto à opinião dominante - que, infelizmente, é claramente desfavorável a tudo o que o Sporting e o seu presidente façam.

E é por isso que acho repugnante a opção que o jornal A Bola tomou ao sanear Eduardo Barroso da sua equipa de comentadores afetos a um clube. De certeza que não foi por uma questão de independência, nem foi por uma questão de qualidade da escrita ou por falta de cordialidade (que raio, se qualidade de escrita e cordialidade fossem critérios relevantes, Rui Gomes da Silva teria sido corrido ao fim de meia-dúzia de artigos). 

Sobra a alternativa: Eduardo Barroso foi afastado por ser um acérrimo defensor de Bruno de Carvalho.

Infelizmente, A Bola tem uma rica tradição em sanear espaços de comentário sportinguistas que se tornam incómodos, ao contrário do que acontece com espaços afetos a outros clubes. José Diogo Quintela saiu porque a direção do jornal decidiu tomar partido no diferendo que tinha com Miguel Sousa Tavares (que ainda hoje escreve no jornal), e antes disso também o Visconde do Lumiar foi afastado de forma algo repentina.

Nada que surpreenda num jornal que há muito que decidiu ser um meio de comunicação oficioso do Benfica, que demonstra parcialidade e tendenciosidade numa base diária. Atenção que há bons profissionais naquele jornal - muitos dos quais são sportinguistas -, mas a direção está completamente minada de gente que não nasceu para ser jornalista.

Voltando a Eduardo Barroso, espero que continue a dar a cara pelo clube. Sportinguistas como ele fazem falta. Quando Bruno de Carvalho fala em militância, é disto a que se refere. Pena que não existam muitos mais.

P.S.: Sobre a direção d' A Bola, há uma boa e uma má notícia. A boa é que Serpa e Delgado estão de saída. A má é que os que aí vêm ainda são piores.