sexta-feira, 6 de junho de 2014

Os ortopedistas

Todos os dias temos um jogador da seleção que fala para a comunicação social. Invariavelmente, as perguntas feitas ao jogador acabam por girar sobretudo à volta de Cristiano Ronaldo. À falta de esclarecimentos por parte da FPF através do treinador, dos médicos, de Jorge Mendes, do fisioterapeuta, do massagista ou dos diretores, essa responsabilidade acaba por recair nos ombros do desgraçado jogador que tem o azar de ser colocado à frente de dezenas de jornalistas que anseiam por saber qual o ponto de situação da lesão da estrela da seleção. Quem chamou a esta seleção "Os conquistadores" precipitou-se. "Os ortopedistas" estaria mais correto.

Não critico a comunicação social por pedir pareceres médicos a Hugo Almeida, Miguel Veloso ou Varela, pois na prática limitam-se a procurar respostas para aquilo que 10 milhões de portugueses querem saber. As expetativas dos portugueses em relação à campanha da seleção estão em suspenso, pois uma coisa é Portugal participar no mundial com Ronaldo na sua melhor condição, e outra é Portugal participar no mundial sem Ronaldo ou com o jogador limitado fisicamente. 

Mas há um ponto comum aos dois cenários que convém que ninguém esqueça: com ou sem Ronaldo, a seleção tem obrigação de passar aos oitavos de final. 

O meu maior receio é que os jogadores acabem por sentir uma certa desresponsabilização pelo destino da seleção nesta competição. A cada pergunta que lhes colocam sobre tendinoses rotulianas, deve crescer nas suas cabeças a sensação que o sucesso ou insucesso da seleção ficará agarrado sobretudo a Cristiano Ronaldo, por aquilo que o melhor jogador do mundo conseguirá ou não fazer em campo. Podemos aplicar o raciocínio inverso relativamente aos restantes 22 jogadores que embarcaram no avião com Ronaldo: poderão brilhar ou passar ao lado dos jogos, mas poucos se lembrarão de lhes dar os devidos créditos ou de lhes dirigir as críticas que merecerem.

Com ou sem Ronaldo, a seleção será tanto mais forte quanto o estado de concentração dos restantes jogadores que estiverem em campo. Esta não é obviamente a melhor seleção portuguesa da história, mas existem muitos jogadores de qualidade, que costumam aparecer ao seu melhor nível nas grandes competições, pelo que têm que ir para dentro de campo mentalizados que poderão definir a história dos embates que nos aguardam. E à medida que parece cada vez mais provável um mundial sem Ronaldo na plenitude das capacidades, é imprescindível que todos estejam preparados para se chegarem à frente quando as coisas começarem realmente a doer. Se assim for, a nossa participação nunca poderá ser considerada um fracasso.