sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O acórdão do artista

No dia 3 de junho de 2016, Pedro Guerra enviou a Paulo Gonçalves um documento que designou por "acórdão do artista".


Este documento não era, nem mais nem menos, do que o acórdão da sentença de Paulo Pereira Cristóvão (e também de Vítor Viegas, o outro réu do processo), que tinha sido proferida alguns dias antes, resultando na condenação do ex-vice presidente do Sporting em quatro anos e meio de pena de prisão, com pena suspensa. 

O acórdão enviado em anexo é um PDF que não tem qualquer assinatura - seja dos juízes, seja assinatura digital. Não sei até que ponto é normal alguém conseguir uma cópia de uma sentença que não esteja assinada - presumo que as cópias a que normalmente as pessoas autorizadas têm acesso estarão assinadas de alguma forma -, mas como não sou um especialista na matéria, quero deixar claro que não estou a insinuar a existência de alguma ilegalidade na obtenção deste documento, até porque a sentença já era pública.

Primeira e duas últimas páginas do acórdão

Na realidade, Paulo Gonçalves foi apenas a primeira de várias pessoas a quem Pedro Guerra enviou o acórdão. Logo de seguida, reencaminhou o documento para outras distintas personalidades, como Carlos Janela, Luís Filipe Vieira, António Pragal Colaço, José Fanha Vieira, Horácio Piriquito, e até o nosso bem conhecido André Carreira de Figueiredo.


O tom empregado por Guerra nos seus mails é bastante bem disposto, típico de quem está a ter prazer na tarefa que tem em mãos. Aliás, o entusiasmo de Pedro Guerra sente-se não só nas palavras utilizadas, como também na velocidade com que distribuiu o acórdão do artista: tinha-o recebido na sua caixa de correio apenas 20 minutos antes, enviado por um tal de João Castilho.


Curiosamente, João Castilho é o nome...



... do advogado de Vítor Viegas, o outro réu do processo. Calhando um e outro serem a mesma pessoa, isto significaria que o Benfica obteve o documento - para os fins que sabemos - do advogado de um dos réus do processo, o que não deixa de ser algo extraordinário. Depois de conhecidas as sentenças, os advogados são livres de enviar os acórdãos para quem quiserem, pelo que, mais uma vez, não haveria aqui qualquer ilegalidade calhando um e outro João Castilho serem a mesma pessoa. Mas, usando um pouco de senso comum, seria de esperar que o advogado de um dos réus tivesse alguma reserva em fazer este obséquio a pessoas que estavam desejosas de incendiar a opinião pública com o conteúdo do documento cedido - e num sentido que nunca seria favorável ao bom nome dos réus, e do seu cliente em particular.

Uns meses mais tarde, o nome do advogado João Castilho apareceria na lista de convidados para o jantar de encerramento da candidatura de Luís Filipe Vieira às eleições de novembro de 2016.


Mais uma vez, quero deixar bem claro que não estou a insinuar a existência de alguma ilegalidade, mas acho que este caso pode ser bem demonstrativo do tal polvo de que se tem falado, aquele que não hesita em utilizar todos os contactos do meio do futebol, da política ou da sociedade civil para obter informações que lhe possam ser úteis em quaisquer circunstâncias. Infelizmente, noutros casos, as ilegalidades são mais que evidentes.